segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A percepção de Educadores sobre o processo de inclusão escolar em seu local de trabalho.

O processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais tem sido amplamente discutido, principalmente a partir da década de 90, quando iniciou-se o debate sobre a necessidade de não somente intervir diretamente sobre essa população, mas também reestruturar a sociedade para que possibilite a convivência dos diferentes (Mendes, 2002a, p. 64).
Segundo a autora, "a educação inclusiva é uma proposta de aplicação prática ao campo da educação de um movimento mundial, denominado de inclusão social, o qual é proposto como um novo paradigma e implica a construção de um processo bilateral no qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam, em parceria, efetivar a equiparação de oportunidades para todos.
O movimento pela inclusão está atrelado à construção de uma sociedade democrática, na qual todos conquistam sua cidadania e na qual a diversidade é respeitada e há aceitação e reconhecimento político das diferenças" (p.61).
De acordo com Mendes (2002 a), a discussão sobre o movimento de inclusão vem ocorrendo no Brasil há mais de uma década, mas a grande maioria do alunado com necessidades educacionais especiais ainda está fora da escola, poucos estão inseridos em escolas e classes especiais ou estão alocados em salas de aula do ensino regular sem qualquer preparo do professor para recebê-los.
A preocupação maior, portanto, deveria ser em oferecer à criança com alguma deficiência, além de um espaço físico em sala de aula, o respeito e a compreensão aos seus talentos e habilidades. Oferecer um sistema de ensino de qualidade a todos os alunos, respeitando suas diferenças, deveria ser o ponto de partida para a melhora do acesso dos alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular. Perceber que qualquer individuo possui limitações, o que não significa que não possa ser participativo e capaz de aprender, seria um bom ponto de partida para a reflexão sobre como trabalhar as diferenças em sala de aula. Felizmente cada vez mais discussões sobre o assunto vêm ocorrendo entre as equipes de docentes e especialistas nas escolas e universidades brasileiras.
Por outro lado, as leis e declarações que fundamentam o movimento de inclusão não bastam para que esta seja efetivada. Importantes documentos internacionais afirmam e fundamentam a prática da educação inclusiva, como por exemplo, os resultantes da Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia (1990) e da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade, na Espanha, em 1994, quando foi elaborada a "Declaração de Salamanca". Mas, no cotidiano das escolas, verifica-se ainda uma discrepância entre o que diz a lei e o que é efetivamente realizado na prática.
A grande barreira se constitui no despreparo dos professores do ensino regular em receber esses alunos. A formação de educadores para a escola inclusiva merece melhor atenção. A reformulação de cursos de graduação e de especialização em Educação Especial tem sido considerada para se adequar às Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e ao Plano Nacional de Educação (lei no. 10.172/2001). A nova LDB reserva um capítulo exclusivo à educação especial, o que pode reafirmar o direito à educação pública e gratuita dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Como destaca Ferreira (1998), "a presença ampliada da educação especial na nova Lei pode sinalizar a presença mais perceptível da área nas novas discussões, assumindo que sua contribuição específica visa mais do que à simples afirmação do 'especialismo' educativo ou burocrático... os discursos da educação para todos e da escola inclusiva ocorrem num contexto de exclusão social ampliada, o que aumenta os desafios para assegurar os direitos das pessoas denominadas portadoras de necessidades especiais" (p. 14).
Tem sido também discutido se a formação do professor para a Educação Especial deveria ser oferecida na graduação ou na pós-graduação. Alguns autores defendem que, como na realidade brasileira a maioria dos cursos de especialização se encontram em universidades privadas, seria conveniente garantir a possibilidade de formação do professor em Educação Especial ainda na graduação, pois esse nível potencializaria uma melhor qualificação do profissional (Mendes, 2002b, p. 14).
A maioria dos estudiosos concorda sobre a necessidade de se investir na capacitação e sensibilização de profissionais da educação para que ocorra a diminuição gradativa da exclusão escolar. Delegar ao professor toda a responsabilidade de promover a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais é um erro, pois a adoção dessa postura deveria ser de toda a estrutura da escola.
A formação do professor para o trabalho em equipe, o conhecimento sobre currículo e as possíveis adaptações curriculares cabíveis às necessidades individuais dos alunos, o conhecimento sobre o conteúdo, a metodologia de ensino e as possibilidades de reflexão sobre as ações realizadas na sala de aula são questões a serem trabalhadas por toda a equipe da instituição escolar, e não somente pelo professor que recebe a criança com alguma dificuldade ou necessidade especial.
Além disso, segundo Mendes (2002 a), para atender os alunos com necessidades educacionais com qualidade, a escola deve modificar-se. Segundo a autora, as ações de uma política inclusiva deveriam se pautar em três componentes básicos: a). O aspecto político (construção de uma rede de suportes capaz de formar pessoal e promover serviços na escola, na comunidade, na região); b). o aspecto educacional (capacidade de planejar, implementar e avaliar programas para diferentes alunos em ambientes da escola regular) e c). o aspecto pedagógico (o uso de estratégias de ensino que favoreçam a inclusão e descentralizem a figura do professor, o incentivo às tutorias por colegas, a prática flexível, a efetivação de currículos adaptados). Portanto, a autora recomenda que cada município deveria identificar o perfil do seu alunado e desenvolver projetos pedagógicos de acordo com os resultados dessa avaliação.
Consideramos que essas questões são fundamentais e deveriam estar presentes em várias dimensões das áreas de saúde e educação: nas reuniões entre pais, coordenadores e professores nas escolas, em cursos de capacitação, em reuniões de estudos de caso nas instituições que atendem alunos com necessidades educacionais especiais. E foram estes temas que permearam as discussões realizadas pela turma que cursou a disciplina "Formação do professor para educação inclusiva". Diante destes questionamentos, surgiu a necessidade de se verificar junto a profissionais de educação que atuam em escolas municipais e estaduais do município, em quais condições de aprendizagem e aceitação as crianças com necessidades educacionais especiais são recebidas na escola regular e qual preparo pedagógico a equipe docente tem recebido para educar de forma eficaz e competente essas crianças.
Portanto, o objetivo deste estudo é apresentar uma reflexão sobre como o educador tem percebido o processo de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais em seu local de atuação.

METODOLOGIA
Durante o cursar da disciplina "Formação do professor para educação inclusiva" foi elaborado um roteiro de questões sobre o tema e montada uma entrevista direcionada a professores da rede municipal e estadual de ensino do município de Jundiaí, São Paulo. Cada aluna aplicou o roteiro de entrevista junto a educadores, em seu próprio local de trabalho.
Participaram da pesquisa 35 educadores, sendo 29 professores (82,85%), três coordenadores (8,57%), um diretor (2,85%) e dois outros profissionais (psicólogos escolares - 5,72%).
A maioria dos participantes estava formada há mais de dez anos (62,8%). Dentre os entrevistados, 60% atuava em ensino fundamental, 22% em ensino infantil, 12% em educação especial e 6% trabalhava tanto com ensino fundamental como infantil.
Foi utilizado um modelo de entrevista semi-estruturado, onde as questões seguem um roteiro, mas os participantes respondem abertamente sobre o tema (Anexo 1). O tema central tratou de como os profissionais da educação têm lidado com o tema "inclusão": o que significa este termo em sua concepção, como têm trabalhado, que tipo de suporte têm recebido para trabalhar com o alunado com necessidades educacionais especiais.
As alunas entregaram os roteiros de entrevista aos participantes, que responderam espontaneamente. A seguir as entrevistas foram trazidas para discussão em sala de aula, foram formados grupos de trabalho entre as alunas, sendo que cada grupo preparou as etapas do presente artigo, com orientação da docente.

RESULTADOS
A análise das entrevistas foi realizada a cada questão, e em seguida foi feita uma análise geral sobre o tema central.
Quando foi questionado sobre a concepção do educador acerca do termo "inclusão do individuo com necessidades educacionais especiais", a maioria dos participantes (51%) apresentou uma vaga noção do significado e uma ausência de avaliação crítica sobre o tema, como por exemplo: "a inclusão é incluir os alunos com necessidades especiais em séries normais", ou "para mim, a inclusão é incluir, colocar alunos na sala regular", ou "é incluir alguém diferente, como o nome diz, precisa de atenção especial e não normal". Outros participantes colocaram como sinônimo de "inclusão" os termos: integração, igualdade, participação, jogo político, convívio social, interação social.
Uma minoria dos entrevistados apresentou definições mais aprofundadas, esboçando uma análise sobre o termo: "entendo que incluir significa oferecer aos alunos uma escola adaptada às suas diferenças individuais, que contemple suas necessidades educativas especiais, de fato e não só na promessa"; "esse processo precisa ser iniciado, mas ainda nos deparamos com barreiras, sejam elas arquitetônicas ou preconceituosas"; "acho que a escola não possui condições sócio-pedagógicas para que ocorra a inclusão, não sou favorável a jogar o aluno nas classes comuns sem o preparo necessário".
Com relação à questão que abordou se o educador tinha em sua sala de aula alunos com necessidades educacionais especiais, foi constatado que 54,3% não tem contato com esta população. Os entrevistados que trabalham com esta clientela (45,7%) atendem na maioria crianças com deficiência mental, seguida de deficiência auditiva, deficiência física, distúrbio psicológico, dificuldade de aprendizagem.
Ao serem questionados sobre como trabalham com estes alunos, as respostas obtidas foram: 48,6% dos entrevistados não relatou; 11,4% respondeu que trabalha de modo individualizado; 11,4% recebe orientação da instituição onde trabalha (psicólogos da escola de ensino especial); 8,6% refere que utiliza material diferenciado; e o restante (20%) relata que utiliza linguagem simples e ajuda dos pais ou estuda sobre o caso.
Na questão sobre o tipo de suporte que os educadores tem recebido no processo de inclusão dos alunos com necessidade especiais, 61% daqueles que têm em suas salas de aula estes alunos, não recebe nenhum tipo de apoio e 9% não respondeu. A porcentagem de educadores que é auxiliada em suas necessidades (30%), recebe orientações de seus coordenadores, psicólogos e psicopedagogos (da instituição de ensino especial em que atuam) e cursos.
Mesmo com as dificuldades relatadas neste caminho para se conhecer e trabalhar com a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais, 74% dos entrevistados relatou que acredita neste processo.

DISCUSSÃO
Baseado nas respostas obtidas nas entrevistas, foi observada dificuldade em definir o termo "inclusão", mostrando o quanto ele ainda é pouco discutido e aprofundado. E percebe-se que permanecem concepções errôneas, que trazem como sinônimo de inclusão os termos "integração, socialização", trazidos das décadas de 50 a 70, quando eram vigentes as propostas de normalização e integração, onde o problema (ou a deficiência) era centralizado no individuo portador, que precisaria ser "trabalhado" para ser "integrado" ao sistema, sem modificação do mesmo.
Definir o termo "inclusão" é uma tarefa difícil, principalmente porque a trajetória histórica do termo e sua aplicação nos meios educacionais tem gerado muita polêmica. Mas alguns educadores entrevistados conseguiram demonstrar uma fala mais elaborada, o que pode ser um sinal que a discussão vem se ampliando e tornando-se mais comum aos profissionais da educação.
Quanto ao questionamento sobre a quantidade de alunos com necessidades especiais em sala de aula, observa-se que a maioria não trabalha com esta clientela. Alguns professores citaram "deficiência leve, distúrbio psicológico, dificuldade de aprendizagem" como necessidades especiais. Seria interessante, em futuros estudos, aprofundar a discussão sobre o que são as necessidades especiais, pois parece que tem ocorrido confusão sobre a terminologia.
Ao serem questionados sobre como têm trabalhado com os alunos com necessidades educacionais especiais, poucos entrevistados responderam claramente. Não definiram como é trabalhar "de modo individualizado" e nem qual é "o material diferenciado" que utilizam. Poucos participantes apresentaram o relato de suas atividades: "como ele tem deficiência física, consegue dominar a leitura e a escrita, possui raciocínio dentro da normalidade"; "o tempo para atividades diferenciadas é curto, fica difícil trabalhar individualmente"; "tenho tentado integrá-lo, mas há necessidade de um trabalho paralelo"; "tenho trabalhado com meus recursos humanos - sensibilidade, responsabilidade e profissionalismo; elaboro atividades para ele participar do grupo". Parece que este tema tem gerado angústia aos profissionais da educação, e mesmo uma sensação de abandono. Seria interessante reafirmar a necessidade de capacitação de educadores para o trabalho com a clientela de alunos com necessidades educacionais especiais, pois esta parece ser a maior preocupação tanto dos que têm o aluno em sala de aula e também dos que "têm medo em recebê-lo", justamente por não se sentirem preparados.
Além disso, parece que são pouco divulgados trabalhos com bons resultados dos próprios educadores em relação a esta clientela. Este tipo de avaliação, ao ser publicada, poderia desmistificar a idéia vigente sobre a grande dificuldade em ensinar alunos com necessidades diferentes dos "normais".
Dos entrevistados, 61% relatou não receber suporte para lidar com seus alunos em sala de aula. Este dado tem sido constatado em vários estudos (Mendes, 2002 a, Ferreira, 1998), e reafirma a necessidade de ser o processo de inclusão uma questão a ser trabalhada por toda a estrutura escolar, e não ficar somente sob responsabilidade do professor que recebe o aluno. Algumas falas dos participantes refletem este problema: "a pedagoga e a psicóloga orientam, o suporte é ótimo, mas não são elas que estão em sala de aula, existe uma distância entre teoria e prática"; "o apoio maior tem sido dos pais do meu aluno, e não da escola"; "o que tenho recebido é porque vou atrás das psicólogas e psicopedagogas que atendem meus alunos, que só se manifestaram depois de procuradas por mim e pela minha escola"; "não tenho nenhum suporte, eles dizem: 'o aluno é da Adê', o erro já vem do sistema governamental que aplica e executa a lei sem preparar o professor"; "as escolas regulares trabalham o tempo todo no 'tente assim, 'agora faça isto', e assim por diante".
Poderíamos pensar que, entre os educadores que não trabalham com esta clientela, não saberiam definir como fazê-lo; e os que têm atendido esta população, têm aprendido com sua própria prática e têm, obrigatoriamente, que buscar suporte por si?
Entretanto, apesar das incertezas e angústias relatadas, a maioria dos educadores acredita no processo de inclusão e apresenta sugestões de como poderiam ser tomadas atitudes para avançar neste processo, como por exemplo: envolver os pais e a comunidade, promover cursos e palestras aos educadores, trabalhar o tema com os professores "antes" de receberem o aluno. Em resumo, as propostas são no sentido de promover o suporte necessário aos educadores para lidarem com as diferenças. Algumas professoras relataram: "eu passarei realmente a acreditar no processo de inclusão quando tiver a segurança para entender o que estou fazendo, quando tiver retorno do que fiz por parte da direção da escola"; "há muito o que fazer, vivemos hoje a inclusão da exclusão, não há um preparo da sociedade para trabalhar com o processo de inclusão. Não podemos exigir igualdade numa sociedade desigual e preconceituosa como a nossa".
Observamos neste estudo que a discussão sobre o tema "inclusão escolar" pelos profissionais da área de educação é ainda superficial e rodeada de incertezas e angústias sobre o modo de atuar diante da população dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Consideramos importante que futuros estudos abordem o tema de acordo com o ponto de vista do professor, pois como é ele quem recebe o aluno, necessita de respaldo para sua prática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA, J. R. A nova LDB e as necessidades educativas especiais. In Cadernos CEDES 46. Campinas:Universidade Estadual de Campinas, 1a. ed., p. 7-15, 1998.

MEC, BRASIL. Conferência Mundial de Educação para Todos, 1990. www.mec.gov.br

MEC, BRASIL. Declaração de Salamanca, 1994. www.direitoshumanos.usp.br/principal.html

MEC, BRASIL. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, 1999. www.mec.gov.br

MENDES, E.G. Perspectivas para a construção da escola inclusiva no Brasil. In: PALHARES, M. & MARINS, S. (orgs.) Escola Inclusiva. São Carlos: EdUFSCar, p. 61-85, 2002 a.

MENDES, E.G. Desafios atuais na formação do professor de educação especial. In: MEC, Secretaria de Educação Especial. Revista Integração. Brasília: MEC, no. 24, p. 12-17, 2002 b.




Patrícia Carla de Souza Della Barba
Terapeuta ocupacional, doutoranda em Educação Especial pela UFSCAR, docente da disciplina "Formação do professor para a escola inclusiva", inserida no Módulo Tópicos Especiais em Educação, da Faculdade de Educação, Ciências e Letras e Psicologia Padre Anchieta; docente da disciplina "Educação dos Portadores de Necessidades Especiais", do curso de Normal Superior, da Faculdade de Vinhedo.
Email: patdbarba@yahoo.com

Cristiane A.P. BRUNO / Elizabete M. SIQUEIRA / Isabel C. VIEIRA / Vanessa B. NUNES
Alunas da disciplina

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